Pandemia acelera assembleias digitais e você pode palpitar sobre o rumo do seu fundo

Assembleias físicas de fundos investimentos historicamente são uma dor de cabeça para investidores, administradores e gestores. Com o distanciamento social, o mercado teve que se adaptar à força

Assembleias físicas de fundos investimentos historicamente são uma dor de cabeça para investidores, administradores e gestores. Era difícil para cotistas se deslocarem para os eventos e, portanto, votar e participar das decisões sobre os rumos dos fundos, ou seja, do seu dinheiro. E era um frio na barriga para administradores e gestores saberem se teriam quórum nas votações para aprovar as pautas, além de caro.

Com o distanciamento social imposto pelo novo coronavírus, o mercado teve que se adaptar à força. A pandemia acelerou a realização de assembleias digitais e, apesar do modelo ainda ser pouco usado, ele cresce e abre espaço para pequenos investidores, a massa de cotistas de grande parte dos fundos hoje, votarem eletronicamente e terem voz ativa nas decisões.

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Desde 2014, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reguladora do mercado, já permite que os fundos de investimento realizem assembleias virtuais. No entanto, a maioria dos administradores e gestores ainda não havia se animado para abraçar a ideia. Era preciso que a alteração estivesse no regulamento do fundo, ou seja, que fosse realizada uma assembleia física para aprovar as assembleias digitais.

Em abril, em meio ao novo coronavírus, a CVM liberou que as assembleias dos fundos fossem feitas virtualmente mesmo que isso não estivesse no regulamento, desde que os prazos e as divulgações fossem respeitados, o que abriu ainda mais o caminho.

Uma das gestoras que começou a fazer assembleias digitais com votação e ata assinada virtualmente na pandemia foi a Mauá Capital. O modelo foi mais usado nas assembleias de CRIs e fundos imobiliários, mas a participação de pessoas físicas ainda é baixa, segundo Brunno Bagnariolli, gestor dos fundos imobiliários da Mauá Capital.

“Tomara que a digitalização das assembleias consiga aumentar o grau de participação do investidor. Existe interesse de trazer esse investidor de varejo para as assembleias, porque a dificuldade para conseguir aprovar as matérias empaca a vida do fundo”, diz Bagnariolli. No entanto, segundo o gestor, ainda há um caminho longo pela frente.

“Naturalmente, o investidor de varejo tem que conseguir se aglomerar para conseguir ter voz em assembleia. As associações são uma maneira de se unir. Eu acho que os investidores de varejo vão chegar, mas se não tiver união, na prática vai dar na mesma. Vão ser pequenas vozes”, diz Bagnariolli.

O Banco Plural, que administra mais de 200 fundos, a maioria de terceiros, realizou três assembleias digitais desde que a pandemia começou, em março. Ainda é pouco em comparação às cerca de 20 assembleias físicas realizadas no período, mas já é mais do que no ano passado, quando nenhuma foi virtual. Rodrigo Godoy, diretor responsável pela área de serviços fiduciários do Plural, diz que o banco tem procurado ferramentas mais amigáveis para investidores.

“Temos visto no mercado o surgimento de ferramentas para isso, que comportam grande quantidade de cotistas. Estamos estudando para as nossas próximas assembleias, para fazer essa virada de chave com segurança”, conta Godoy. Ele diz que as plataformas digitais e as redes sociais propiciam maior acesso aos produtos e maior comunicação com os cotistas, que têm exigido mais transparência dos fundos.

“A tendência agora é fazermos mais assembleias digitais para aumentar gradativamente a adesão. É um caminho a ser percorrido”, diz.

Plataformas tecnológicas

Ferramentas de teleconferências como Microsoft Teams e Zoom são usadas por algumas gestoras independentes, mas elas não permitem votar pela plataforma. Ou seja, para votar, ainda é preciso imprimir um documento, assinar e enviar pelos Correios. Para resolver esse problema, algumas empresas têm desenvolvido plataformas tecnológicas específicas para assembleias digitais de fundos.

No mês passado, gestoras como a Mauá Capital e a Kinea estrearam a plataforma VX Meetings, que permite realizar assembleias de fundos e dívida corporativa 100% virtuais. A plataforma foi criada pela Vórtx, fintech de infraestrutura para o mercado financeiro e começou a ser estruturada em outubro de 2019 e passou a fazer ainda mais sentido na pandemia. O intuito era aumentar a representatividade dos investidores nas assembleias.

“O processo de assembleia sempre foi meio traumático e, com o digital, a vida ficou mais simples”, diz Juliano Cornacchia, fundador e CEO da Vórtx. “A pulverização do mercado de fundos trouxe um monte de gente e nós criamos uma atmosfera mais acolhedora para o investidor pessoa física. Os documentos estão disponíveis de forma mais fácil, com uma linguagem mais amigável para facilitar a interação”, conta.

A plataforma consegue conduzir a assembleia como se o investidor estivesse em uma videoconferência, o mais próximo possível do modelo presencial que havia até então, e é alicerçada na instrução da CVM. Ela calcula quórum e votos, possibilita assinatura de ata com comprovação do voto virtual e tem tecnologia de dados que permite validar juridicamente a identidade do investidor e seu voto.

Bancos entram na onda

Entre os grandes bancos, Itaú e Banco do Brasil já realizam assembleias digitais de fundos. O Itaú passou a oferecer em julho voto eletrônico nas assembleias dos seus fundos de investimento para atrair investidores e, desde o mês passado, as assembleias digitais também se estenderam para todos os fundos administrados pela instituição, mas que não são da casa.

Do universo de 2 milhões de cotistas do banco, menos de 10 compareceram às assembleias presenciais em 2019. O plano para tentar se aproximar dos clientes e reduzir despesas para fundos e cotistas, que precisavam até viajar para outras cidades em alguns casos, já era antigo, e foi acelerado pela pandemia. Hoje, todo cotista com e-mail cadastrado no banco recebe a convocação das assembleias no seu endereço eletrônico.

Mediante um cadastro on-line em uma plataforma da instituição, todos os investidores podem visualizar as assembleias em andamento e manifestar seu voto, além de verificar a carta resumo com as deliberações implantadas. Carlos Augusto Salamonde, diretor de serviços de investimentos e operações do Itaú, conta que o engajamento dos cotistas aumentou “brutalmente”, apesar de ainda não conseguir mensurar quanto.

“Temos mais ou menos 6.500 assembleias por ano e 3 milhões de cotistas hoje. Antes éramos obrigados a mandar carta e o fundo pagava conta, portanto, o cotista. Deixamos de ter um custo de R$ 6 milhões por ano só de correspondência”, diz Salamonde. “Vai demorar um tempinho para pegar tração, mas os retornos têm sido espetaculares.”

O Banco do Brasil implementou as assembleias eletrônicas em 2017, primeiro só para os fundos exclusivos para clientes que têm acima de R$ 3 milhões investidos e depois, no ano passado, para os demais fundos de varejo. Hoje os cotistas recebem e-mail, mensagem no celular ou notificação ao acessar a conta sobre as assembleias. “Atacamos por todos os lados”, diz Marconi Maciel, gerente executivo de administração de fundos da BB DTVM.

Segundo Maciel, quem mais participa das assembleias ainda são investidores que têm mais dinheiro e conhecimento do mercado. Nos fundos de varejo, a participação ainda é muito baixa, de cerca de 10%. “Mas já melhorou muito”, diz.

“As pessoas ainda não têm a cultura de participar das decisões, mas a cultura é crescente. É importante que investidor de varejo saiba que seu dinheiro está sendo investido corretamente e que suas contas foram aprovadas, para que não tenha reclamação futura.” Ele acredita que, até o final do ano, haverá uma grande adesão de outras empresas a esse modelo.

Por que participar de uma assembleia

Para pequenos investidores, vale a pena participar das assembleias dos fundos especialmente nos casos em que as votações podem mudar as políticas de investimentos. Por exemplo, um fundo pode passar a poder investir no exterior ou em mais ativos, aumentando a diversificação para cotistas. Também faz sentido participar quando a assembleia for para decidir sobre as taxas de administração e performance cobradas, que impactam diretamente o retorno do investimento.

As assembleias também podem tornar os fundos mais acessíveis a pequenos investidores, quando um fundo de investimento se torna um fundo espelho, ou seja, como o nome diz, quando espelha outro fundo. Em geral, os fundos espelhos têm o objetivo de tornar o investimento mais acessível aos pequenos investidores, já que há diversos fundos dedicados apenas a investidores qualificados, com investimento inicial elevado.

Pedro Rudge, diretor da Anbima, entidade que representa o mercado de investimentos e de capitais, diz que as assembleias digitais eram uma tendência que já vinha andando em uma velocidade muito devagar, mas que vai avançar mais rapidamente após a pandemia.

“Este ano vimos a adoção ainda tímida, até porque era momento de arrumar a casa e deixar os processos funcionando da maneira que deviam com o home office. Mas me parece que é uma tendência que veio pra ficar. É bom para o administrador, para o gestor e para o cotista”, diz Rudge. Ele acredita que, em 2021, deve haver uma adoção maciça dessa modalidade e que o movimento, como toda evolução, tem sua velocidade de amadurecimento.

“Cabe a nós, indústria, fazer certo marketing para incentivar cotistas a utilizar essas ferramentas”, diz o gestor. A Anbima tem aberto espaço em fóruns internos para administradores e gestores trocarem experiências sobre o assunto e tem debatido o tema em lives. Segundo Rudge, a entidade vê com muito bons olhos essas iniciativas porque, no fim das contas, os cotistas são os donos do fundo.

“Participar das decisões é do interesse do cotista, seja mudança de regra, flexibilização de política de investimento, redução de taxa e por aí vai. É muito importante que o cotista seja ouvido Quanto mais cotistas participarem, mais legitimidade vai ter a decisão”, diz o diretor da Anbima. Ele acha que o que falta para essas assembleias se popularizarem é apenas a atitude e a disseminação do conceito.

É importante lembrar aos participantes das assembleias que nem sempre alterações aprovadas são benéficas para pequenos investidores. Elas podem, por exemplo, trazer mais riscos para fundos que antes eram mais moderados. Assim, é essencial que os cotistas se informem sobre as mudanças propostas e votem baseados nessas informações. Se for necessário, é possível pedir explicações para os gestores e até pedir ajuda para consultores financeiros independentes antes de votar.

— Foto: Getty Images


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