Para onde vai a fome chinesa

O país asiático precisa comprar cada vez mais produtos agrícolas e a soja é a principal commodity da lista. Entenda por que a guerra comercial com os Estados Unidos é apenas um episódio da saga.

Na safra 2028/2029, dentro de uma década, desembarcarão nos portos chineses 126,1 milhões de toneladas de soja. Neste ciclo futuro, os negócios globais com o grão serão de 196,3 milhões de toneladas, com a China demandando por 64,2% do comércio mundial. O volume de grãos para o país asiático, lá na frente, é maior do que toda a soja brasileira que deve ser colhida nesta safra, prevista em cerca de 120 milhões de toneladas. Os dados são do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês), que acompanha com lupa os passos da guerra comercial com a China, iniciada no fim do ano passado. Nessa disputa, os Estados Unidos pleiteiam uma pauta mais robusta de venda aos chineses, com retaliações de ambos os lados sob a forma de taxas de importação. As tarifas tributárias são a bola da vez, mas a guerra entre os dois países está longe do fim. “Essa guerra comercial, que hoje é por tributos, é como se fosse a primeira camada de uma cebola. Tirando uma vai aparecer outra”, diz o economista Lin Tan, presidente da trading chinesa Hopefull Grain & Oil, em Yanjiao, na província de Hebei, e que pertence ao Hopefull Group, investidor também nos setores de energia, hotéis e imobiliário. No fim do ano passado, Lin Tan esteve em Mato Grosso para uma série de encontros com produtores e lideranças do setor. Para os chineses, ficar de olho no que acontece no Brasil pode significar a sobrevivência de uma parceria comercial imprescindível ao país asiático. Não por acaso, do total a ser importado na 2028/2019, a previsão é de que 96,1 milhões de toneladas sejam originadas no Brasil, volume equivalente a 76,2% das compras chinesas.

Para alimentar sua população de 1,39 bilhão de habitantes, a China será por muito tempo dependente e talvez nunca venha a ser autossuficiente em alimentos básicos. O país possui cerca de 120,2 milhões de terras agricultáveis, divididas em aproximadamente 200 milhões de propriedades. Há grandes fazendas produzindo grãos e carnes com alta tecnologia, mas a maior parte delas, cerca de 90%, possuem, em média, um hectare de cultivo.

A disposição para a compra de alimentos está no enriquecimento do país, dono de um Produto Interno Bruto (PIB), estimado em US$ 13,3 trilhões – no Brasil, o PIB do ano passado foi de US$ 1,8 trilhão. Mas, nas décadas anteriores a 1950, mais fortemente, até o fim dos anos 1970, os chineses passavam fome. Foram as reformas estruturantes dos anos 1980 que modernizaram a produção industrial do país, transformando a sua economia. A agroindústria veio junto, mas dependente de importações, principalmente da soja para ração destinada a alimentar aves e suínos. Na década de 1960 a população chinesa consumia, em média, 1,5 mil calorias por dia, ante 2,8 mil dos americanos. Hoje, a média chinesa é de 3,1 mil calorias e a dos americanos, 3,6 mil. Nas últimas quatro décadas, de acordo com o Banco Mundial, o PIB per capita chinês saltou de US$ 195 ao ano para os atuais US$ 8,1 mil.

O diretor da consultoria Céleres afirma que o Brasil precisa melhorar sua diplomacia com os chineses.

No curto prazo, os americanos devem aumentar suas vendas em US$ 30 bilhões, não apenas com a soja, mas também com carnes e lácteos. Mas, para o médio e longo prazo, a China precisa apostar nas relações com o Brasil, embora possa ir em busca de outras saídas. “A posição diplomática brasileira tem sido frágil hoje”, diz Galvão. “Não é aconselhável, como fez o presidente Bolsonaro, ter desavenças como esse governo. ” Ele se refere a ataques feitos por Bolsonaro, como ocorreu na campanha presidencial, quando declarou que a “China não está comprando no Brasil, está comprando o Brasil”. Nesse contexto, a China, que tem colocado suas fichas no País, no longo prazo pode começar a enxergar saídas que hoje não existem. Entre elas o desenvolvimento de parcerias com a Rússia, com os países da África e do sudeste asiático para produzir alimentos. “Nós somos míopes em acreditar que somente o Brasil pode fornecer grãos para a China”, diz Galvão. “No futuro essa pode não ser uma verdade, com a China tendo ainda mais poder de barganha. ”


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